Monday, November 23, 2015

Insegurança jornalística


As ameaças de dois policiais militares, contrariados com matérias que denunciavam suas ações abusivas e ilegais, afetaram a vida de um jovem jornalista*, que começou a conviver com uma rotina de medo, impotência e falta de segurança repentinamente. Nada surpreendente para quem está imerso na cobertura dos órgãos públicos de justiça e de segurança, mas assustador quando a violência física e psicológica bate em sua porta.

Para contextualizar a história, o garoto de infância humilde ingressou numa faculdade de jornalismo com apenas 17 anos e desde sempre demonstrou afinidade com pautas relacionadas a direitos humanos e questões sociais da periferia de São Paulo. Os estágios em jornais impressos e agências livres de notícias o moldaram como repórter de rua. Até tentou trabalhar como produtor na área esportiva, porém viu que aquela não era sua praia. Foram nestes primeiros empregos que criou vínculos com jornalistas mais experientes, vividos, e encontrou contatos e informantes que pudessem auxiliar em matérias mais espinhosas.

Em seu trabalho de conclusão de curso (TCC) na universidade, por exemplo, abordou a história do Primeiro Comando da Capital (PCC) nas penitenciárias do Brasil. Aprendeu teoricamente e na prática como o crime organizado se articulava nas cadeias e o modo como o poder público (não) combatia o crescimento do grupo estruturado pelo traficante Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola.

A partir do momento em que entrou em uma grande emissora de televisão, o jornalista com nome de presidente e sobrenome de filósofo começou a se destacar com reportagens de denúncia. Na época da crise hídrica, chegou a ser questionado e cobrado pelo secretário do Estado e pelo assessor de Geraldo Alckmin sobre matérias que ‘arranhavam’ a imagem do governador de São Paulo. Não abaixou a cabeça, comprou brigas e manteve sua posição. Também participou de investigações das chacinas na quadra da Pavilhão Nove, torcida organizada do Corinthians, e em Osasco e Barueri.



As notícias rodeando agentes de segurança pública envolvidos em irregularidades se multiplicavam e começaram a incomodar. As famílias dos jovens, negros e pobres assassinados, que apenas viravam estatística, começaram a ganhar voz. De acordo com uma pesquisa da Anistia Nacional, 56 mil pessoas foram executadas em território brasileiro em 2012, sendo 30 mil jovens. Deste alto número de indivíduos que gozavam de sua juventude, 77% eram negros.

Até que dois PMs resolveram ‘dar um apavoro’ para silenciá-lo com as técnicas de tortura psicológica utilizadas em seu dia a dia repressor.

Na saída de um turno cansativo em um dia qualquer da semana, o repórter foi tomar um ônibus com rumo para a sua casa quando foi abordado por policiais militares sedentos de fúria. Com uma arma apontada na cabeça do rapaz, a dupla vociferava palavras de ódio e o ameaçava para ‘ficar esperto por aí’.

Diante do susto, o jornalista esperou a poeira baixar e depois que organizou as ideias contou sobre o acontecimento a uma amiga próxima, uma delegada que o ajudava em algumas reportagens. Ela resolveu fazer um Boletim de Ocorrência para investigar a ação dos PMs.

A apuração contra os policiais deu resultado e o que ela suspeitava se confirmou. Foram encontradas mais de 40 fotos em posse dos homens. Imagens com a rotina do jornalista próximo ao seu ambiente de trabalho, à sua casa, a lugares onde frequentava no tempo livre. E pior. Um dossiê completo com as pessoas com as quais ele se relacionava: mãe, namorada, sogros, amigos e colegas de trabalho.
Com as provas em mãos, a delegada solicitou uma prisão preventiva de 15 dias acatada por um juiz do Estado, que ainda prorrogaria o período do cárcere temporário em mais 30 dias, totalizando 45 dias. Conhecedor de casos semelhantes, o conselho do juiz para o jornalista foi um tanto quanto surpreendente: deixar o país o mais rápido possível por um curto período, sumir do mapa, porque os PMs de lá sairiam cegos de ódios e sedentos por uma retaliação, sabendo que a justiça brasileira é lenta e falha.

A sugestão foi compartilhada pelo diretor de jornalismo de sua emissora que via a fuga como a melhor solução para o momento. O jornalista até abraçou a ideia, mas só aceitaria viajar mediante o pagamento de todas as despesas por parte da empresa de telecomunicações. O pedido, contudo, foi prontamente negado.

O evento naquele momento caiu como um balde de água fria, já que dias anteriores ao acontecimento, o repórter havia conversado com Caco Barcellos, renomado jornalista que comanda o programa Profissão Repórter na Rede Globo. Caco gostou do estilo e das reportagens do jovem, mas precisava de uma confirmação acerca da desenvoltura do jovem em frente às câmeras.

Este Caco Barcellos, inclusive, deve saber perfeitamente o que o jovem jornalista passa, já que viveu experiência parecida e até mais perigosa ao escrever o livro Rota 66 – A História da Polícia que Mata, relatando o genocídio da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) para com a população paulista marginalizada.

O caso ainda continua sem solução e o jornalista, que ostentava sorriso fácil no rosto, agora tem sérias preocupações em relação à própria segurança e o bem-estar dos entes queridos.


*Nenhum nome foi citado para não colocar em risco à identidade das personagens enquanto o processo está em andamento.

Segurança dos jornalistas no Brasil

A ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) divulgou algumas pesquisas que demonstram como o Brasil é um país inseguro para a prática jornalística, somando 38 assassinatos de 2000 a 2014 e levando a fama de 3° mais violento da América Latina, atrás de México e Colômbia, territórios com forte influência de milícias comandadas pelo tráfico de drogas.

(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom)

As investigações, quando são abertas (a jornalistas), patinam e, geralmente, são travadas por autoridades corrompidas” e "os traficantes e os coronéis impõem um regime de terror aos jornalistas no Brasil”, são algumas das queixas do relatório divulgado em dezembro do ano passado.

 
(Imagem: Rodrigo Paiva)
Outro dado do Relatório da Violência contra Jornalistas divulgado neste ano mostra que 129 profissionais foram agredidos em 2014, sendo que 62 deles sofreram violência policial, uma média de 48% dos casos.

É claro que o jornalismo policial investigativo e a cobertura de protestos sempre trarão mais riscos do que outras áreas da profissão. Porém, a falência do poder público e a corrupção dos órgãos públicos de segurança enfraquecem o instrumento de denúncia da sociedade e, consequentemente, sua perspectiva de melhora.