As ameaças
de dois policiais militares, contrariados com matérias que denunciavam suas
ações abusivas e ilegais, afetaram a vida de um jovem jornalista*, que começou
a conviver com uma rotina de medo, impotência e falta de segurança
repentinamente. Nada surpreendente para quem está imerso na cobertura dos
órgãos públicos de justiça e de segurança, mas assustador quando a violência
física e psicológica bate em sua porta.
Para
contextualizar a história, o garoto de infância humilde ingressou numa
faculdade de jornalismo com apenas 17 anos e desde sempre demonstrou afinidade
com pautas relacionadas a direitos humanos e questões sociais da periferia de
São Paulo. Os estágios em jornais impressos e agências livres de notícias o
moldaram como repórter de rua. Até tentou trabalhar como produtor na área
esportiva, porém viu que aquela não era sua praia. Foram nestes primeiros
empregos que criou vínculos com jornalistas mais experientes, vividos, e encontrou
contatos e informantes que pudessem auxiliar em matérias mais espinhosas.
Em seu
trabalho de conclusão de curso (TCC) na universidade, por exemplo, abordou a
história do Primeiro Comando da Capital (PCC) nas penitenciárias do Brasil.
Aprendeu teoricamente e na prática como o crime organizado se articulava nas
cadeias e o modo como o poder público (não) combatia o crescimento do grupo estruturado
pelo traficante Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola.
A partir do
momento em que entrou em uma grande emissora de televisão, o jornalista com
nome de presidente e sobrenome de filósofo começou a se destacar com reportagens
de denúncia. Na época da crise hídrica, chegou a ser questionado e cobrado pelo
secretário do Estado e pelo assessor de Geraldo Alckmin sobre matérias que ‘arranhavam’
a imagem do governador de São Paulo. Não abaixou a cabeça, comprou brigas e
manteve sua posição. Também participou de investigações das chacinas na quadra
da Pavilhão Nove, torcida organizada do Corinthians, e em Osasco e Barueri.
As notícias
rodeando agentes de segurança pública envolvidos em irregularidades se
multiplicavam e começaram a incomodar. As famílias dos jovens, negros e pobres
assassinados, que apenas viravam estatística, começaram a ganhar voz. De acordo
com uma pesquisa da Anistia Nacional, 56 mil pessoas foram executadas em
território brasileiro em 2012, sendo 30 mil jovens. Deste alto número de indivíduos
que gozavam de sua juventude, 77% eram negros.
Até que
dois PMs resolveram ‘dar um apavoro’ para silenciá-lo com as técnicas de
tortura psicológica utilizadas em seu dia a dia repressor.
Na saída de
um turno cansativo em um dia qualquer da semana, o repórter foi tomar um ônibus
com rumo para a sua casa quando foi abordado por policiais militares sedentos
de fúria. Com uma arma apontada na cabeça do rapaz, a dupla vociferava palavras
de ódio e o ameaçava para ‘ficar esperto por aí’.
Diante do
susto, o jornalista esperou a poeira baixar e depois que organizou as ideias
contou sobre o acontecimento a uma amiga próxima, uma delegada que o ajudava em
algumas reportagens. Ela resolveu fazer um Boletim de Ocorrência para
investigar a ação dos PMs.
A apuração contra
os policiais deu resultado e o que ela suspeitava se confirmou. Foram
encontradas mais de 40 fotos em posse dos homens. Imagens com a rotina do
jornalista próximo ao seu ambiente de trabalho, à sua casa, a lugares onde
frequentava no tempo livre. E pior. Um dossiê completo com as pessoas com as
quais ele se relacionava: mãe, namorada, sogros, amigos e colegas de trabalho.
Com as
provas em mãos, a delegada solicitou uma prisão preventiva de 15 dias acatada
por um juiz do Estado, que ainda prorrogaria o período do cárcere temporário em
mais 30 dias, totalizando 45 dias. Conhecedor de casos semelhantes, o conselho
do juiz para o jornalista foi um tanto quanto surpreendente: deixar o país o
mais rápido possível por um curto período, sumir do mapa, porque os PMs de lá
sairiam cegos de ódios e sedentos por uma retaliação, sabendo que a justiça
brasileira é lenta e falha.
A sugestão
foi compartilhada pelo diretor de jornalismo de sua emissora que via a fuga
como a melhor solução para o momento. O jornalista até abraçou a ideia, mas só
aceitaria viajar mediante o pagamento de todas as despesas por parte da empresa
de telecomunicações. O pedido, contudo, foi prontamente negado.
O evento
naquele momento caiu como um balde de água fria, já que dias anteriores ao
acontecimento, o repórter havia conversado com Caco Barcellos, renomado
jornalista que comanda o programa Profissão Repórter na Rede Globo. Caco gostou
do estilo e das reportagens do jovem, mas precisava de uma confirmação acerca
da desenvoltura do jovem em frente às câmeras.
Este Caco
Barcellos, inclusive, deve saber perfeitamente o que o jovem jornalista passa,
já que viveu experiência parecida e até mais perigosa ao escrever o livro Rota
66 – A História da Polícia que Mata, relatando o genocídio da Rota (Rondas
Ostensivas Tobias de Aguiar) para com a população paulista marginalizada.
O caso
ainda continua sem solução e o jornalista, que ostentava sorriso fácil no
rosto, agora tem sérias preocupações em relação à própria segurança e o
bem-estar dos entes queridos.
*Nenhum
nome foi citado para não colocar em risco à identidade das personagens enquanto o
processo está em andamento.
Segurança dos jornalistas no Brasil
A ONG Repórteres Sem
Fronteiras (RSF) divulgou algumas pesquisas que demonstram como o Brasil é um
país inseguro para a prática jornalística, somando 38 assassinatos de 2000 a
2014 e levando a fama de 3° mais violento da América Latina, atrás de México e Colômbia,
territórios com forte influência de milícias comandadas pelo tráfico de drogas.
(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom)
”As investigações, quando são abertas (a
jornalistas), patinam e, geralmente, são travadas por autoridades corrompidas”
e "os traficantes e os coronéis impõem um regime de terror aos jornalistas
no Brasil”, são algumas das queixas do relatório divulgado em dezembro do ano
passado.
Outro dado do Relatório da
Violência contra Jornalistas divulgado neste ano mostra que 129 profissionais
foram agredidos em 2014, sendo que 62 deles sofreram violência policial, uma média
de 48% dos casos.
É claro que o jornalismo
policial investigativo e a cobertura de protestos sempre trarão mais riscos do
que outras áreas da profissão. Porém, a falência do poder público e a corrupção
dos órgãos públicos de segurança enfraquecem o instrumento de denúncia da
sociedade e, consequentemente, sua perspectiva de melhora.